o rolê não é o melhor lugar para se encontrar amor
Tudo, exatamente tudo é construído a partir de nossas decisões. Cada escolha, cada preferência e cada caminho que tomamos nos fazem estar exatamente no lugar onde estamos. Tudo que nos acontece é consequência de nós mesmos.
Naquele momento, minhas decisões tinham me levado a estar apertado num vestido, equilibrado num salto alto, com glitter até no cu aguardando na coxia minha vez de me apresentar. Se arrependimento matasse…
Eu não deveria ter ouvido Daniel – meu melhor amigo – quando ele fez seu típico drama dizendo que precisava de um dançarino e que nunca conseguiria achar um a tempo da sua apresentação. Eu não deveria ter aceitado quando ele me ofereceu a “valiosa vaga” e disse que me daria cachê – eu nem preciso do dinheiro! — e que a festa seria open bar — esse é o melhor motivo, admito. Eu deveria saber que ele ia me enfiar num vestido e salto alto desde o começo! Porém, eu sou assim: não penso no pior até ele estar acontecendo.
Talvez eu tenha sido ingênuo. Porque, quando um cara que se monta, é esperado que, se ele te chamar pra substituir um de seus dançarinos, você tenha que se montar também, não é? Sim. Mas eu gosto de acreditar no bem que há no coração das pessoas, então só fui perceber o que estava acontecendo quando era tarde demais. Além do mais, Daniel costuma ter uns gostosões que ficam sem camisa apenas sendo sensuais no palco. Eu sou gostosão, faria muito bem o papel! Aparentemente, meu melhor amigo discordava disso.
Eu sabia as coreografias das apresentações de Daniel, pois nós montávamos as coreografias juntos — afinal, eu fiz Dança a vida toda e isso deveria valer alguma coisa —, então não foram necessárias dias de ensaio para que eu pegasse a coreografia e conseguisse fazer parte da apresentação. Apenas uma tarde de ensaios foi marcada e, assim, eu descobri o destino que me aguardava. Meu mundo caiu. A performance seria apenas uns dias depois, eu não podia mais desistir, nem o melhor dançarino conseguiria memorizar a coreografia a tempo. E eu não podia deixar meu melhor amigo na mão.
Depois de xingar muito Daniel Leonardo, aceitei meu penoso destino.
Por fim, ali estava Caio (eu): vestido e salto, maquiagem e peruca, rebolando ao som de alguma música pop genérica que eu não reconhecia, ao lado de meu melhor amigo e alguns outros amigos. Não podia negar que estava me sentindo um pouco ridículo. Não por achar drag ridículo, mas porque eu não levava o menor jeito pra isso e “feminilidade” nunca foi meu forte.
Ao contrário de boa parte dos homens cis-hetero, não acho que me vestir de mulher ou frequentar “boates gays” seja humilhante/afete minha sexualidade ou masculinidade. Talvez seja uma das vantagens de ser artista desde sempre. Nunca tive muita paciência para coisas “de menino”. Mas, definitivamente, a heterossexualidade tinha me sorteado – infelizmente, diria Daniel.
Quando a apresentação (finalmente!) acabou, eu estava me sentindo exposto e apertado. E suado.
— Você tá sendo muito dramático. — Daniel dispensou minhas reclamações com um gesto.
— Isso porque você não tá na minha pele! — teimei, andando apressado pelos bastidores para chegar rápido ao camarim e me ver livre daqueles acessórios.
— Tem razão. Pobre Caio! Tá com um salto, pelo menos, uns 5 centímetros mais baixo que o meu, uma peruca duas vezes mais leve e a nec…
— Tá bom, já entendi! — interrompi antes que ele terminasse a frase inadequada. — Você sofre mais. Mas você é a estrela do show! Inclusive, tava arrasando lá em cima. Você tá acostumado com essas coisas, eu nem queria… — continuaria minhas reclamações infinitas, se não tivesse sido interrompido quando Daniel parou do nada, quase me fazendo tropeçar e cair por cima dele.
Antes que eu pudesse adicionar mais essa reclamação à lista, meu melhor amigo abriu os braços saudoso e exclamou com uma voz cheia de carinho:
— Candy!
— Daniel! — ouvi uma pessoa na nossa frente respondendo no mesmo tom que meu amigo.
Um homem elegante com um topete perfeitamente alinhado envolveu Daniel carinhosamente com os braços, eles ficaram se abraçando um tempo. Os outros dançarinos passaram por nós e eu fiquei parado com cara de tacho enquanto observava meu amigo saudar um cara que eu nunca tinha visto na vida como se fossem melhores amigos de infância.
— Não precisa me chamar assim. — o homem falou depois que eles se soltaram. — Somos amigos e Candy é para assuntos profissionais.
— Eu sei, mas já que estamos em local de trabalho achei que seria prudente. — meu amigo respondeu sorrindo.
— Dan… nós somos amigos há tanto tempo… — ele falou parecendo meio amuado.
— Eu sei, só estou fazendo charme. — Daniel deu de ombros e piscou. — Como você tá? Faz séculos que não te vejo.
— Ando trabalhando muito. E você? Como anda a companhia? — eu e Daniel tínhamos uma companhia juntos voltada para dança, teatro e performances num geral. Eu só não sabia como aquele cara sabia disso.
— Melhor impossível! É muito trabalho, mas é o que a gente gosta de fazer, então estamos aproveitando demais.
— Fico tão feliz de ouvir isso e… Quem é essa? — ele se interrompeu, olhando em minha direção com as sobrancelhas franzidas (quase como se tivesse acabado de perceber minha presença). Não pude distinguir se com interesse ou estranheza.
Daniel se virou, confuso, como se tivesse esquecido totalmente que eu estava ali. Quando me viu, ele levantou as sobrancelhas como se acabasse de se lembrar da minha presença e olhou para seu amigo novamente.
— Na verdade… — Daniel começou, mas eu o interrompi.
— Na verdade, eu sou ele. — falei, dando um passo para chegar mais perto dos dois e conseguir ter uma conversa, meu melhor amigo olhou para mim como se fosse uma mãe assistindo seu filho fazer alguma coisa que fosse ao mesmo tempo reprovável e constrangedora.
— Eu sei. — falou o tal do Candy (que tipo de nome profissional é esse?), os olhos ainda fixos em mim, como se eu fosse um tipo exótico de animal que ele estava feliz em encontrar.
Ergui as sobrancelhas em confusão.
— Na verdade… — Daniel interveio. — eu ia dizer que é a primeira vez dele se montando.
O cara, finalmente, tirou os olhos de mim e olhou para meu amigo.
— Só por isso ele não tem um nome de drag? — questionou.
— Por isso e porque ele não gosta muito de se montar. Cá entre nós, ele é meio ruim também. — Dan respondeu, abrindo um sorriso irritantemente debochado.
— Eu tô te ouvindo. Você sabe, né, Daniel? — falei mal humorado. Além de me enganar para me fazer ser sua dragrina ainda debocha da minha cara. Não há mais gratidão nesse mundo, senhor?
— Eu sei, Caio, e sei que você sabe disso também. — ele falou dando de ombros.
— Ah tá e só por isso…
— Eu vi a apresentação de vocês. — fui interrompido pelo desconhecido. — E realmente você não é muito bom... Mas você tem potencial. Conseguiu dançar muito bem de salto, fiquei curioso pra saber como você se sai sem eles e…
— Quem é você mesmo? - perguntei. A irritação de estar desconfortável e cansado depois da apresentação somada ao incômodo de ter ficado olhando Daniel trocando palavras com um desconhecido meu que, agora, estava me julgando e criticando uma coisa que eu nem me interessava em fazer me atingiu e eu não consegui conter a grosseria.
— Caio. — Daniel falou entre dentes se virando pra mim com um olhar de censura. — Este é Gustavo, aquele amigo de quem sempre falo. E Gustavo: esse é o Caio.
Suavizei a expressão me dando conta de quem era o cara e me sentindo meio bobo por ter antipatizado com ele do nada. Gustavo era o melhor amigo gay de Daniel do ensino médio — e um dos primeiros namorados também —, os dois tinham descoberto drag e começaram a se montar juntos. Sorri, estendendo a mão para o sujeito.
— Então. - comecei mudando para um tom animado — você é o famoso Gustavo? — apertei sua mão e ele sorriu de volta pra mim.
— E você é o famoso Caio.
Ergui uma sobrancelha e me virei pra Daniel.
— Você não disse que fazia anos que não o via? — perguntei.
— Isso não quer dizer que eu não falo com ele. Celulares existem, Caio. — quando fui responder, ele dispensou a resposta com um gesto. — Agora, se me dão licença, eu preciso trocar de roupa, porque ainda tenho uma festa pra curtir.
Então simplesmente deu as costas, deixando-nos sozinhos. Às vezes, eu tinha vontade de agredir Daniel. Tipo quando ele me enganou para me fazer me montar, mas naquele momento eu só queria arrancar sua cabeça fora mesmo.
— Bom… — comecei quando o silêncio entre mim e Gustavo ficou constrangedor. — Eu também preciso trocar de roupa porque esse sapato tá literalmente me matando.
Ele aumentou seu sorriso (muito simpático e bonito por sinal), como se meu sofrimento o divertisse e acenou com a cabeça.
— Claro, vai lá. Foi um prazer te conhecer. — segurou minha mão e eu a apertei.
— Foi um prazer também.
Depois de tirar toda a minha roupa e maquiagem, pude respirar de novo. Procurei um espelho para conferir se eu estava apresentável. Meus olhos ainda estavam meio manchados de lápis de olho, mas de resto tava ok, então arrumei meu cabelo todo amassado por causa da peruca. Tomei uma decisão: eu já estava lá mesmo, não faria mal aproveitar a festa e o resto das apresentações.
Saí do camarim até a área da boate em busca de Daniel. Eu não gostava de ficar sozinho, então queria um amigo comigo. Corri os olhos pelo local procurando por ele, sem sucesso. Decidi fazer uma ronda para ver se o achava. Pouco tempo depois, cheguei ao meu primeiro destino de busca e fui surpreendido.
— Eu não sei o que você bebe, mas eu tomei a liberdade de pedir um blowjob pra você. — Gustavo apareceu com dois copos de drink na mão, falando mais alto para que eu pudesse ouvir através do som alto.
— Obrigado. — agradeci surpreso, pegando o copo que me era oferecido e bebendo um gole. — É um dos meus preferidos.
— Por nada. — ele abriu um sorriso. — Dos meus também. — após um breve silêncio, continuou: — Você parece meio perdido. O que rolou?
— Tô procurando Daniel. — respondi. — Ele me largou sozinho aqui. Você não viu ele por aí?
— Deve ter arranjado algum macho e tá em algum canto se agarrando com ele. — falou meio em tom de brincadeira.
— É, provavelmente. — concordei rindo.
— Mas você, hum… não gostaria de ficar aqui comigo? — levantou uma sobrancelha, soando cauteloso.
— Tipo aqui em pé perto do bar? — perguntei meio confuso. Ele riu e negou com um movimento da cabeça.
— Não. Na verdade, eu deveria estar avaliando a apresentação que tá acontecendo agora mesmo. — Confessou, apontando um dedo em direção ao palco. — E tenho um lugar pra isso. Quer vir comigo?
Dei de ombros. Porque não? Decidi que iria e fiz um aceno de cabeça concordando.
Entramos numa espécie de cabine/camarote. A visão para o palco era perfeita, tinha cadeiras e mesas espalhadas pela “sala”, dois refrigeradores, um sofá num canto e um total de zero pessoas ali. Gustavo sentou numa das cadeiras destinadas para se assistir o que estivesse no palco – naquele momento, as apresentações.
— Você tá aqui a trabalho? — perguntei. Como ali o som era abafado, não precisávamos gritar um com o outro para sermos ouvidos.
— Sim. — ele respondeu, agora concentrado na apresentação à sua frente.
Eu fui sentar numa cadeira ao seu lado.
— Então... você não é muito profissional, não é mesmo? — brinquei numa tentativa de piada.
— Como assim? O que você quer dizer? — seu tom de voz indicava que eu havia falhado.
— Que, em vez de estar aqui, fazendo o que quer que seja seu trabalho, você estava lá embaixo me oferecendo bebida.
Ele riu e abriu um sorriso de lado, depois virou em minha direção, o olhar intenso sobre mim.
— É que eu te vi perdido lá embaixo e não pude resistir em te oferecer um blowjob. — Levantou uma sobrancelha. — E “o que quer que seja meu trabalho” — ele fez as aspas no ar, parecendo ofendido — é assistir e avaliar as apresentações. — Terminou com um sorriso de canto, voltando sua atenção às apresentações.
Levantei uma sobrancelha tentando decifrar se ele estava flertando comigo. Não conseguia distinguir, nem desviar meu olhar do seu.
Minha atenção se voltou para meu celular vibrando em meu bolso. Peguei-o e olhei o identificador de chamadas. Era Marina.
— Quem é? — ele perguntou, se virando pra mim por um segundo, voltando a fazer seu trabalho em seguida (ele continuava intercalando os olhares entre mim e as apresentações).
— Minha namorada. — respondi, levantando-me para atender. Ela não era exatamente minha namorada, tínhamos um lance fixo e ficávamos com outras pessoas, porém não estava com paciência de explicar e isso sempre levava um tempo. — Preciso atender.
Fui no canto da sala pra poder atender a ligação.
— Alô?
— Oi? Caio? — ouvi a voz dela em meio a vários sons altos e música. — Onde você tá?
— Na festa. A que eu disse que vinha com Daniel, lembra?
— Eu sei, meu amor. Eu tô aqui também. Quero saber exatamente onde você está, porque encontrei Daniel aqui e ele também tá te procurando.
— Pera aí. — afastei o telefone e cobri a parte do microfone com a mão. — Gustavo… — ele se virou na cadeira, olhando em minha direção. — Marina e Daniel estão me procurando, posso chamá-los pra vir aqui?
— Claro! — ele deu de ombros e girou na cadeira novamente, de volta ao trabalho.
Depois que Daniel e Marina chegaram, ficamos conversando, bebendo e dançando um pouco. Não sei como aconteceu, mas um tempo depois, já tinha mais meia dúzia de pessoas dentro da sala, as apresentações tinham acabado, a música estava alta lá dentro e Gustavo estava num canto se certificando de que suas anotações não iam desaparecer. Naquele momento, ele estava praticamente me ignorando e eu não conseguia entender porque isso me incomodava um pouco.
Meus pensamentos foram interrompidos por Marina se pendurando em meu pescoço com o sorriso mais safado do mundo nos lábios. Ela tinha essa beleza singular que me deixava atraído: desde as sobrancelhas bem desenhadas aos olhos pequenos.
— Tenho uma surpresa pra você. — ela falou, o rosto bem próximo ao meu, o tom de voz super animado.
— O que? — perguntei, curioso.
Ela não respondeu, apenas colocou a língua pra fora. Não entendi de primeira o que ela queria com aquilo, mas havia malícia em seu olhar, eu vi algo em sua língua e, antes que eu pudesse raciocinar, ela enfiou o músculo molhado em minha boca. Recebi o beijo de bom grado, segurei-a pela cintura com firmeza enquanto ela enroscava as mãos em meu cabelo.
Ficamos um bom tempo nos beijando e, quando nos separamos, eu senti o mundo diferente.
— Algum desses caras aqui deu uma coisinha pra gente se divertir. — ela falou, com a boca ainda colada na minha.
Eu sorri, achando tudo muito legal e engraçado.
Depois disso, dancei um pouco mais com ela, conversei com algumas pessoas e....
Acordei no dia seguinte com uma dor de cabeça colossal. Eu estava sozinho em minha cama. Sem lembrar de nada do dia anterior. Olhei ao redor, encontrando tudo na mais completa normalidade. Nada como nos filmes, apenas eu acordando em minha cama com tudo no lugar. Nada que diminuísse minha preocupação, afinal eu tinha uma amnésia.
Levantei-me, fui até o banheiro fazer minha rotina matinal e depois fui até a cozinha, encontrando um bilhete na geladeira.
Bom dia, C!
Tive que sair antes de você acordar. Coisas do trabalho. Mas fiz um suco pra você.
Obrigada pela noite, me diverti muito.
Até mais tarde ♥
Mari
Sorri, deixando o bilhete sobre a bancada. Abri a geladeira, peguei a jarra com o suco e me servi. Peguei outras coisas pra completar meu café da manhã e sentei na mesa para me servir. Ouvi meu celular tocar e fui atrás do som, achando o aparelho na cabeceira da minha cama. Era Daniel.
— Alô? — atendi antes que a ligação caísse na caixa postal. — Porque tá me ligando tão cedo, Dan?
— Bom dia pra você também, Caim. Vejo que acordou de bom humor hoje. — falou, irônico. — Só pra você saber, não é cedo. Liguei pra avisar que estou indo pra sua casa.
— O que? Como assim?
— Chego aí em cinco minutos, beeeeijo.
— Vai vir aqui fazer o que? Porque? — insisti, mas ele já tinha desligado o telefone.
Sem ter mais o que fazer, apenas aceitei. Olhei as horas no relógio do celular e percebi que já era meio dia e eu ainda não tinha feito nada. Sem contar que não lembrava de metade das coisas que tinham acontecido na noite anterior.
Decidi tomar um banho, já que eu não tinha como impedir meu melhor amigo de aparecer na minha casa quando bem entendesse. Assim que saí do banho, ouvi a campainha tocar e fui de toalha atender a porta.
— Que rude. — Daniel reclamou assim que me viu. — E se eu tivesse trazido mais alguém comigo?
— Aí seria bem constrangedor… — falei sem me importar muito. Fui em direção ao quarto para me vestir. — Mas não trouxe, então tá tudo certo.
— E aí, como você tá? Muita ressaca? Marina não veio pra cá com você ontem? — perguntou.
— Eu não sei. — falei mais alto para que ele me ouvisse através da parede. — Mas pelo bilhete que ela deixou, veio sim. Aliás, parece que eu fui atropelado por um caminhão.
— Normal. Você tava bem animado ontem. — falou, rindo.
— Tava?
— Você não lembra?
— Não? — mais perguntei que afirmei, voltando para sala já vestido. — Eu lembro até um tempo depois que o pessoal todo chegou… Aí Mari me deu algo pra tomar, acho que era doce ou bala, sei lá… Não lembro de mais nada.
Ele começou a gargalhar como se tivesse ouvido a piada do século. Eu fiquei encarando enquanto ele se contorcia no meu sofá de tanto rir, tentando entender qual era a graça que eu tinha perdido.
— O que foi? O que tem de tão engraçado nisso? — perguntei genuinamente confuso.
— Nada… é só que… — ele tentava tomar fôlego para falar enquanto ria. — isso explica muita coisa. Puta merda, Caio.
— O que? Jesus, qual foi a merda que eu fiz? Eu não fiz um ménage ou algo assim, né? Por favor diz que não. — falei desesperado, sentindo um gelado de insegurança no estômago.
Isso só fez com que ele gargalhasse mais ainda. Pelo menos, ele negou essa parte com gestos e eu fiquei mais aliviado. Depois de conseguir controlar as risadas, ele ficou ereto, ainda com um sorrisinho de quem sabe uma coisa que você não sabe e falou:
— O que tem de tão ruim em fazer um ménage? Pelo amor de deus… — ele riu mais um pouco e continuou: — Você não fez nada que não faria sóbrio. Eu acho. Só aceitou ter aulas particulares com Gustavo.
— Aulas particulares? — ergui as sobrancelhas me perguntando se aquilo deveria significar alguma coisa pra mim. — De que, exatamente? Eu nem faço ideia com o que Gustavo trabalha.
— Ele é só um dos performers e dançarino mais famosos do estado, amigo. Eu não acredito que você não sabia disso! Ele tem uma “escola de drag” agora. Ele tava lá ontem selecionando as melhores dançarinas pra ganharem uma bolsa.
— E o que eu tenho a ver com isso? Aulas particulares?
— Vocês dois ficaram muito próximos em algum momento ontem, ficaram conversando, você perguntou sobre o trabalho dele, ele começou a dizer que você tinha muito potencial, só precisava de alguém pra explorar isso e, no fim, vocês dois decidiram que ele ia te dar umas aulas. Começando na segunda.
— Segunda agora? — perguntei. Eu estava confuso e desesperado ao mesmo tempo.
— Sim. — Daniel respondeu. Pelo sorrisinho de canto, ainda estava achando toda a situação uma grande piada.
— Eu não posso. — respondi firme.
— Porque não?
— Porque… não? Eu não consigo nem andar num salto sem achar que vou cair e morrer. É tipo pedir pra um elefante andar na corda bamba. Eu…
— Caio! Para de surtar. É pra isso que Gustavo existe. Pra te ensinar essas coisas. Agora, vamos mudar de assunto, porque eu vim aqui por um motivo, tive uma ideia genial pra aquele roteiro que você estava comentando comigo esses dias…
Continuou falando, enquanto eu ainda surtava um pouquinho por dentro. Talvez realmente não fosse o fim do mundo, eu só iria descobrir se era bom mesmo se eu tentasse de verdade. Decidi que faria a primeira aula e, se não gostasse, era só dizer que eu não tinha me interessado.
Eu e Dan passamos o dia todo trabalhando. Quando anoitecia, tínhamos feito muito progresso, apesar da minha ressaca, e Daniel foi embora satisfeito.
Acordei no dia seguinte com uma mensagem do contato “amigo bonito do Daniel” que dizia: “Bom dia! Espero que não tenha esquecido da aula. É às 18h. Te aguardo no meu apartamento.”
Deduzi que fosse Gustavo. Para garantir, mandei “Gustavo?” e esperei. Fui trabalhar e durante o dia, depois de receber sua confirmação, troquei algumas mensagens com ele para combinar tudo melhor. Daniel ficou cheio de insinuações ao me ver trocando mensagens e eu apenas ignorei, afinal, era ele quem tinha dito que eu precisava “expandir meus horizontes”. Eu estava apenas seguindo seus conselhos.
No horário marcado, eu estava na localização que Gustavo tinha me mandado. Mandei uma mensagem avisando e ele disse para eu falar com o porteiro. Depois do porteiro interfonar e receber autorização para liberar, subi até o andar que me foi indicado e toquei a campainha.
Um homem sorridente de roupas casuais me atendeu. Reparei que seu cabelo não estava tão alinhado como da última vez e me surpreendi ao perceber que estava reparando demais nele.
— Que bom que não desistiu. Você tem muito potencial, sério. — ele falou, antes de qualquer cumprimento e eu apenas assenti — entra aí. Fica à vontade, eu preciso pegar algumas coisas lá dentro e já volto. — falou antes de sair.
Percebi que estava no apartamento de Gustavo. Era enorme e muito bonito. Tinha uma sacada enorme e paredes de vidro, uma sala de estar com um sofá enorme. Tudo muito bem decorado e bem cuidado em cores neutras e escuras. Não sabia que se vestir de mulher podia dar tanto dinheiro. E isso foi definitivamente um pensamento escroto.
Esperei sentado enquanto o dono da casa não voltava.
— Quer beber alguma coisa? — perguntou assim que voltou com algumas caixas na mão. — Tenho vinho, cerveja, água, suco, refrigerante e mais algumas bebidas chiques…
— Não quero nada, por enquanto, obrigado.
— Você prefere fazer isso aqui dentro ou lá fora? — perguntou, ainda com um monte de caixas na mão.
— Aqui dentro está bom.
— Ok, então vamos começar.
Ele colocou as caixas no chão e ficou ereto, automaticamente assumindo uma postura professoral. Era impossível não notar a mudança. Eu estava nervoso e sua postura só fez minha ansiedade subir.
— Primeiramente, você precisa aprender a andar de salto pra começar a dançar melhor. — ele falou com um ar profissional e sério. — E você é péssimo usando salto, Caio.
— Ei! Um professor não deve falar assim com um aluno! - brinquei.
— Você está aqui pra aprender e tenho que ser honesto com você. — ele deu de ombros falando completamente sério. Eu me retraí porque na época da escola eram poucos os professores que me respeitavam. Ele continuou dando sua aula enquanto eu estava num completo silêncio, prestando muita atenção. Se eu tivesse um caderno, estaria anotando cada palavra que saía da boca dele. Depois de um tempo sem eu dizer uma palavra, ele perguntou:
— O que aconteceu? Porque você tá tão quietinho?
— É que eu não consigo relaxar com você me ensinando dessa forma. — decidi ser honesto, soltando o ar que eu não tinha percebido que estava segurando.
— Hmmmm… — ele estava pensando. — Vamos tentar de uma maneira mais relaxada, então. Vou preparar uns drinks pra gente enquanto você escolhe um salto e tenta andar com elegância, depois eu vou te explicando as técnicas e a gente bebe mais um pouco. Até o fim do dia você vai estar andando de salto melhor que a Pabllo.
— E mais bêbado que um pirata também. — comentei.
— E, ainda assim, andando como a Pabllo. — ele piscou pra mim. — O que significa que sou ótimo no que faço.
— Então vamos lá! — falei, começando a sentir uma leve empolgação e a ansiedade se dissipando.
O único problema era que eu realmente era um desastre. Tentei andar e falhei muitas vezes, o que nos rendeu boas risadas, mas pouco progresso. Tudo piorou depois de alguns drinques. No final da noite, estávamos os dois jogados no chão da sala rindo sem parar.
— Você é realmente péssimo nisso. — Gustavo falou.
— Você não era ótimo no que faz? — provoquei, sorrindo de lado. Ele me fuzilou com os olhos.
— Mas você é um caso raro de incapacidade, amigo. — falou e eu não sabia se era só pra provocar ou se tinha ficado ofendido.
— Eu falei! — concordei. — Acho melhor a gente desistir, isso não vai funcionar.
— Nunca! — ele falou, levantando-se e virando de frente pra mim. — Quanto mais difícil é a caminhada, mais prazerosa é a vitória. Estou determinado a te transformar na melhor drag queen do Brasil!
— Então isso tudo é só pra você levar os créditos? — perguntei fingindo indignação.
— Não. — ele riu. — É pra sermos a melhor dupla gay do país.
— Considerando que eu não sou gay. — comentei.
— É mesmo! — ele falou, batendo na própria testa bêbado e rindo.
Ficamos um tempo em silêncio deitados no chão, até que ele soltou um suspiro.
— Amigo, definitivamente a gente precisa te transformar na melhor drag.
Eu só podia concordar. Naquele primeiro dia, decidi que iria continuar as aulas com ele.
Gustavo se mostrou um cara muito legal, conversávamos sobre quase tudo, nossas aulas eram sempre muito divertidas e, na maioria das vezes, regada a álcool. As semanas foram passando e nós criamos um laço de amizade. Toda a aula era sempre uma nova surpresa com perucas, saltos altos e qualquer outra coisa que tivéssemos vontade de fazer. Teve um dia que tentamos cozinhar um jantar — já que nenhum dos dois tinha comido quase nada o dia todo —, mas deu tudo incrivelmente errado e acabamos pedindo pizza. As aulas aconteciam duas vezes por semana e estávamos sempre em contato. Ele até nos ajudava com algumas coisas na companhia. Daniel estava radiante pela amizade que tinha surgido entre seus dois melhores amigos e saíamos juntos às vezes.
Numa sexta, no apartamento de Gustavo, depois do fim da aula, eu estava exausto e jogado numa cadeira no jardim dele. Nesse dia, ele tinha me feito dançar a mesma coreografia um milhão de vezes sem salto e depois um milhão de vezes com salto e no final ainda ficou criticando cada mínimo detalhe (coisa que não era comum). Ele deveria estar estressado com alguma coisa.
— Tá tudo bem? Quer beber algo? — perguntei observando-o enquanto ele alongava as costas.
— A casa é minha. — ele falou e acho que foi mais ríspido do que sua intenção, porque abriu um sorriso e completou: — Eu que deveria oferecer coisas para você beber.
— Já sou praticamente seu roomate, me respeita. Eu aprendi a fazer uma bebida que é uma delícia. — falei, sorrindo sugestivamente.
— Você não tem o que fazer amanhã, Caio? Já tá tarde. — ele falou na tentativa de fazer uma brincadeira, mas entendi o recado. Porém, correndo o risco de ser mais inconveniente, falei:
— Hoje é sexta, Gustavo! — num tom animado para tentar contagiá-lo.
— O que eu tô fazendo com a minha vida trabalhando em plena sexta-feira? Ainda mais com homem hétero? — ele colocou as mãos na cabeça de forma dramática, fazendo-me rir.
— Só porque ser gay é muito mais legal, você não pode discriminar os héteros assim. — brinquei de volta e ele riu. — Vamos logo! — insisti mais um pouquinho.
— Tá bom. Mas só um, porque hoje eu não tô no clima.
Fomos preparar nosso drink. Porém, um se transformou em dois, depois em quatro e acabamos passando da conta.
— Sem querer ofender, mas… eu não entendo toda essa coisa dos gays com as divas pop. Tipo… Sei lá. Eu só não entendo. — falei, em algum momento, quando estávamos jogados no chão da sala dele.
— O que você não entende, Caio? — ele perguntou, rindo.
— Sei lá… Tem umas coisas tipo…heteronormativas? Não tem muita coisa com que se identificar, eu acho.
— Você tá vendo por um lado… interessante? Mas não é como se elas se resumissem a isso, tem mais uma ideia de aceitação e de ser você mesmo nas letras. Sem contar que muitas dessas cantoras abraçam os gays de uma forma que não se vê em outros estilos de música.
— Acho que entendi.
— Acho que você não entende porque nunca teve seu direito de amar alguém tirado de você. Quando alguém na mídia se importa com você, quando se é gay e, principalmente, jovem, é importante. Quando alguém diz que tá tudo bem ser do jeito que você é, isso causa um impacto em você. É por isso que há tanto apelo.
— Entendi. Mesmo. — respondi, sorrindo por entender e ter abertura de falar dessa forma com ele, de ter levado uma militada e aprendido uma coisa nova. Admirei mais meu amigo por ter sido firme e cuidadoso comigo, fazer com que eu visse que ideias que eu tinha na cabeça estavam ultrapassadas.
Dois meses de aula com Gustavo tinham passado e eu estava começando a ver meu progresso. Peguei gosto pela coisa e até já estava sugerindo apresentações com salto para a companhia. Daniel achava graça.
— Se eu soubesse que era só te apresentar pra Gustavo pra você soltar a franga, eu teria apresentado antes. — comentou depois que contei minha ideia para uma cena.
— Eu não estou “soltando a franga”, só estou expandindo meus horizontes. Você mesmo disse que eu deveria fazer isso. — respondi dando de ombros.
— Claro… — ele revirou os olhos e riu. — Hoje você tem aula?
– Não. Vou sair com Marina.
– Inclusive, queria te perguntar: você e ela estão namorando ou não? - perguntou.
– Não. Isso é uma coisa bem clara entre nós, nosso “lance” é livre.
– Já parou pra pensar que talvez ela quer que você faça um pedido?
– Lógico que não, amigo. Se ela quisesse, teria falado.
– Tem certeza? — Questionou com as sobrancelhas levantadas.
– Ela sempre deixa muito claro o que quer, somos sempre muito sinceros um com o outro.
– Mas você quer namorar com ela, não?
Suspirei, sem saber o que responder. Eu me perguntava isso todos os dias. Minha vida amorosa sempre foi muito agitada, o romantismo é de fato um dos meus pontos forte e é o tipo de coisa que eu gosto de viver, porém desde que conheci Marina tudo foi diferente e todas as experiência com ela têm sido incríveis. A gente se entendia muito bem na cama e fora dela, e a admirava de todas as formas possíveis. Mas namorar? Eu não me sentia muito inclinado a isso.
– Não sei. - respondi, dando de ombros.
— Está querendo novas experiências? — ele levantou as sobrancelhas de maneira exagerada e sugestiva. — Talvez com Gustavo, hum?
Eu joguei uma almofada em sua direção e ele começou a gargalhar.
– Pelo amor de deus, Daniel. Ele é meu professor, isso seria muito estranho.
— Ah, claro, porque você é completamente diferente e faz parte do 0,1% da população que nunca teve um crush por um professor. — ele ironizou.
— Me poupe. Vai embora, preciso me arrumar. Daqui a pouco Marina vai estar aqui.
— Claro. Mas não se esqueça que você sempre pode dar uns pegas no seu professor gostoso. E eu recomendo, viu?
— Cala a boca!
Daniel continuou fazendo piadinhas bobas sobre professor e aluno, mas logo foi embora. Eu e Marina tínhamos combinado de sair para jantar, porém, no meio do caminho ela decidiu que íamos para uma boate. Apenas concordei.
Bebemos um pouco e ficamos dançando. Depois de um tempo, avistei um conhecido de longe. Gustavo. Não ia dizer nada, mas Marina também o viu e gritou para mim:
— Olha quem tá aqui. — apontou na direção dele e, quando eu olhei, falou: — Vamos lá falar com ele.
Fomos. Eu estava meio contrariado, sendo sincero, Gustavo me deixava meio nervoso ainda. Ele ficou feliz em nos ver. Marina elogiou tudo no homem, conversamos um pouco e depois decidimos ir para uma parte mais silenciosa da casa para conversar mais confortavelmente. Sentamos numa mesa, pedimos umas bebidas e ficamos conversando. Gustavo contou das nossas aulas para Marina e ela adorou saber como eu estava me saindo com esse novo mundo. Era engraçado saber que ela ficava mais animada que eu ouvindo as histórias.
Mais conversa e mais bebida, decidimos ir dançar. Gustavo é um exímio dançarino, seus passos estão sempre perfeitos e todo seu corpo se move como se fosse feito para isso, fruto de anos de estudo e preparo. Ele parecia determinado a criar arte com o corpo, movendo-se com graça e confiança pela pista. A cena não encantou só a mim, como também a Marina. Nós dois ficamos assistindo, meio de canto, encantados com tanto talento.
Em algum momento, Mari foi parar no meio de um sanduíche dançante – entre mim e Gustavo. No meio de tudo isso, senti as mãos dela afundando em meu cabelo, na nuca, puxando-me para um beijo que retribui com vontade. Sua boca estava com gosto de álcool e menta, retribui colocando a mão em sua nuca e envolvendo-me mais no beijo. Gustavo fez menção de se afastar do nosso trio, porém foi impedido por Marina que o segurou pelo braço, trazendo-o para perto novamente.
Minha mente bêbada demorou a processar o que estava acontecendo, mas aos poucos absorvi e entendi que Marina tinha puxado Gustavo para um beijo. Observei aquele beijo por um momento, fascinado com a beleza que era ver dois seres tão bonitos se beijarem. Em pouco tempo, tudo ficou confuso, eu não sabia o que estava acontecendo e tudo eram sensações. Sentia lábios em mim, mãos, respirações pesadas e, de repente, lembrei que eu estava no meio de uma pista de dança e, provavelmente, tinha pessoas desconfortáveis assistindo aquela cena.
Afastei-me o suficiente apenas para dizer para os dois que deveríamos parar com aquilo. Eles me olharam confusos e eu olhei em volta para mostrar o que eu queria dizer. Eles assentiram e Marina sugeriu que saíssemos dali. Pedimos um uber e fomos para o apartamento dela.
No tempo em que levamos para chegar até a casa dela, minha mente clareou um pouco e eu comecei a pensar de fato no que estávamos fazendo. Estávamos indo, os três, para um lugar privado depois de dar uns amassos. Eu nunca tinha considerado a possibilidade de envolver outro homem numa situação sexual.
Assim que estávamos dentro do apartamento, Marina nos disse para ficar à vontade e disse que ia buscar bebidas. Eu e Gustavo sentamos no sofá, um do lado do outro.
- O que é que tá acontecendo? - Gustavo perguntou e riu, a cabeça pendendo para trás do encosto do sofá.
- Eu não faço a menor ideia. - respondi, rindo também.
Marina voltou com três copos, entregou um para Gustavo e outro para mim. Ela puxou algum assunto qualquer e quando percebi, estávamos dividindo os lábios de Marina novamente. Ficamos imersos naquela bolha, apenas explorando e aproveitando as sensações.
Quando as coisas começaram a esquentar de verdade, Gustavo estourou a bolha.
Ele parou de me beijar, porém continuou próximo, a respiração pesada contra meu rosto. Abri os olhos para ver o que tinha de errado, seus olhos estavam fechados com força. Ele se afastou. De mim e dela.
— Desculpa… Eu… não posso. — ele falou, meio engasgado.
— Tá tudo bem? — Marina perguntou.
— Tá… é só que… não dá. — ele respondeu, ajeitando os fios de cabelo que nem estavam bagunçados.
- Tudo bem. Podemos só dormir. Se estiver tudo bem pra você. — ela falou num tom tranquilizante. — Você pode passar a noite aqui se quiser. — era tanta naturalidade e firmeza que a invejei, eu estava completamente desestabilizado.
Gustavo respirou fundo.
— Prefiro ir para minha casa. — ele parecia constrangido.
E eu continuava travado no mesmo lugar. Marina abriu um sorriso simpático e o tranquilizou com um aperto no ombro.
— Vou pedir um uber e esperar com você lá embaixo, então.
Os dois saíram pela porta e eu continuei paralisado ainda em choque. Eu tinha beijado Gustavo. Parecia que a ficha nunca ia cair.
Gustavo que dançava melhor que qualquer pessoa que eu já conheci na vida, que contava piadas sobre como eu andava em cima de um salto. Gustavo, meu professor, meu amigo. O amigo de infância de Daniel. Gustavo que eu tinha conhecido todo vestido num terno, mas que ficava tão bem e tão elegante num vestido também. Gustavo que, talvez, eu estivesse desejando há tempos, mas não tinha admitido nem para mim mesmo ainda.
Eu havia beijado Gustavo.
Eu não tive notícias de Gustavo o final de semana inteiro. Não trocamos mensagens durante o dia seguinte. Na segunda de manhã, eu não sabia se minha aula com Gustavo ainda estava marcada. Não tínhamos nos falado – o que era bem incomum – e eu não sabia o que fazer. Eu fiquei meio aéreo e Daniel ficou enchendo minha paciência para saber o que tinha acontecido e eu apenas ignorei suas perguntas. Como eu não estava inspirado, o ensaio na companhia não durou até muito tarde. Daniel me deixou em paz — disse que ia sair com um carinha — e, quando eu estava na rua, meu celular tocou.
— Alô? — atendi.
— Oi, Caio. — era Gustavo. Meu coração falhou uma batida. — É o Gustavo. Nossa aula tá de pé hoje, né?
— Hum… sim, claro. — eu não sabia o que responder.
— Já está quase no horário, mas eu vou me atrasar um pouquinho, ok? Se você quiser, pode esperar no meu apartamento.
— Sim, já estou a caminho.
— Ok… até daqui a pouco.
— Até.
Desliguei o telefone com o coração na boca. Porque eu estava tão nervoso? Respirei fundo, tentando me acalmar. Não tinha nada demais, a coisa mais comum é beijar amigos quando se está bêbado, eu precisava apenas seguir em frente.
Entrei em seu apartamento enorme ao qual já estava tão acostumado. Tirei os sapatos e fui relaxar no sofá para esperar Gustavo chegar. Acho que peguei no sono, porque acordei com o dono da casa fazendo cócegas nos meus pés e me assustei. Ele soltou uma gargalhada.
— Oi. — falou, sorrindo.
— Oi.
— Você parece cansado. — comentou, afastando meus pés para sentar no sofá e colocá-los em seu colo. Nós estávamos acostumados a esse tipo de intimidade, mas pareceu um pouco estranho mesmo assim. Depois do beijo...
— Estou exausto. — respondi.
— Dia difícil?
— Mais cabeça cheia do que dia difícil.
— Entendi…. Quer beber alguma coisa?
— Acho que bebi na sexta o suficiente pelo resto da semana. — falei rindo e ele riu junto.
— Ah, sexta… — ele falou com ares de nostalgia e riu mais um pouco. — Foi uma loucura.
— Realmente. — concordei desviando o olhar e ficando um pouco constrangido lembrando do toque dos lábios dele.
— Eu lembro de bem pouca coisa. — ele falou, olhando diretamente para mim. — Como fomos parar na casa da sua namorada, afinal? — ele riu.
— Ela não é minha namorada. — sussurrei e me arrependi no segundo seguinte quando ele fez uma expressão confusa. — A noite realmente deve ter sido bem louca, porque eu também lembro de pouca coisa.
— Pois é… — ele suspirou.
Ficamos em silêncio por um tempo.
— Mas e aí — balancei meus pés para chamar sua atenção, ele me olhou. — O que você vai me ensinar hoje?
— Eu ia te ensinar algumas técnicas de maquiagem.
— Ia? — perguntei, levantando as sobrancelhas.
— É, parece que nós dois estamos exaustos demais pra isso. Podemos matar uma aula. Você é um aluno esforçado. — ele piscou e sorriu.
— Sou, professor? — falei com uma voz doce forçada, ele fez que sim com a cabeça. — Muito obrigado, me sinto honrado. — coloquei a mão sobre o coração e fechei os olhos dramaticamente, ele riu.
— Sério, você melhorou bastante. Já pode até se apresentar. — falou cutucando minhas canelas de leve.
— Ah, claro! Eu ainda nem consigo dançar no salto sem parecer um panda dançando ballet. — falei.
Ele começou a gargalhar e eu o acompanhei.
— Amigo! — ele falou no meio da risada, me dando um susto. — Nós precisamos escolher um nome de drag pra você! — agitou as mãos parecendo muito animado. — Precisa ser algo que combine com você, algo delicado e…
— Eu sou delicado? — perguntei, achando aquela definição completamente fora da caixa. Ele riu.
— Isso é algum problema? — ele devolveu a pergunta, levantando uma sobrancelha.
— Não, mas…
— Você não é delicado no jeito. — ele me interrompeu, justificando. — Seus traços são delicados, sua beleza é delicada, uma coisa suave, mas que ao mesmo tempo te deixa sem fôlego, entende? Se usada do jeito certo…. — ele olhou em meus olhos e a frase morreu em sua boca, ele limpou a garganta e depois continuou: — O que importa é: seu “eu feminino” deveria ser delicado. Sua drag é delicada.
— Entendi. — falei, meio constrangido por conta do elogio dele.
Fizemos algumas sugestões de nomes sem sucesso de encontrar um bom, depois resolvemos deixar a aula de lado, mas Gustavo não queria deixar de me ensinar alguma coisa, então depois que pegamos cervejas na geladeira, ele colocou Priscilla, a rainha do deserto para assistirmos e ficou indignado quando eu disse que nunca tinha assistido.
— Você só anda com drag e nunca viu esse filme? — soltou num tom completamente julgador.
— Você está assumindo que todas as drags gostam da mesma coisa só porque são drags? — perguntei fingindo indignação. Ele só revirou os olhos e fez um gesto com a mão dispensando o comentário, eu dei risada. — Em minha defesa, só não assisti esse especificamente.
— Então vamos ver, porque você precisa se educar. — falou sério e recostando-se no sofá.
Gustavo dormiu na metade do filme, deixei ele deitar em meu colo e, sem perceber, eu já estava fazendo carinho em seu cabelo. Ele acordou nos últimos quinze minutos do filme, levantou a cabeça sonolento e sorriu para mim. Desviei o olhar, constrangido com o frio no meu estômago.
Depois disso, nossa relação voltou ao normal. Talvez ele se lembrasse do beijo também, mas depois de dizermos que não, parecia que um peso tinha saído de nossas costas. Como se beijar seu amigo fosse uma coisa pesada demais para se conseguir conviver. Só que não era. Eu já tinha beijado Daniel quando estava bêbado uma vez, outras amigas minhas também e nunca era um grande drama, até fazíamos piada com isso. Porém com Gustavo parecia… diferente. Assumir que tínhamos nos beijado parecia abrir portas para outras coisas. Coisas que eu sequer entendia. E nem sei se queria entender.
nada de bom acontece depois das 02h00
Era sexta-feira de novo e eu tinha avisado a Gustavo que chegaria um pouco mais tarde na aula porque o ensaio estava rendendo muito e não queríamos quebrar o clima. Já passava das 22h quando saí do estúdio da companhia em direção a casa dele.
Assim que cheguei a seu andar, percebi que a porta estava aberta. Entrei, afinal, ele deveria ter deixado justamente para não precisar abrir para mim quando eu chegasse. Estranhei o silêncio, não era comum esse silêncio.
Fechei a porta atrás de mim e andei silenciosamente pelo apartamento e encontrei Gustavo desmaiado no sofá. Não literalmente, apenas dormindo. Profundamente. Meu primeiro instinto foi soltar uma risada, aí ele se mexeu no móvel, mudando de posição ainda dormindo. Fiquei olhando seus olhos fechados, a respiração calma, sua expressão suave… parecia tão em paz e tão lindo. Decidi não atrapalhar seu sono – ignorar meus últimos pensamentos – e trabalhar um pouco mais. Peguei meu notebook para revisar algumas coisas aproveitando a inspiração que ainda estava pulsando por minhas veias.
Trabalhar com o que se gosta, às vezes, pode ser perigoso. Eu havia me tornado quase um workaholic algum tempo antes, na época em que a companhia não ia tão bem. Mesmo depois que começamos a dar certo e a ver o dinheiro, fiquei tão cheio de gás que só conseguia pensar em trabalhar o tempo todo. Passava noite sem dormir, fins de semana sem me divertir e feriados trabalhando igual a um maluco. Marina foi quem me fez ver que aquilo estava ficando excessivo e que eu precisava relaxar senão ia acabar explodindo. Isso me fazia amá-la ainda mais.
O que era meio engraçado. Eu a amava muito e me sentia atraído por ela, mas eu não me imaginava namorando, casando e tendo filhos com ela. Não por conta do jeito livre dela, mas porque ela não quer se casar e ter filhos. Ela sequer acredita em relacionamentos. Eu sempre quis me casar, ter vários filhos, um belo quintal e cachorros. Quase sentia como se Marina fosse uma transição. Eu precisava ter aqueles momentos com ela, precisava ter um relacionamento não-monogâmico para saber que aquilo não era o que eu queria para o resto da minha vida. Ela não acreditava em monogamia, mas eu sempre acreditei.
Comecei a divagar tanto que perdi completamente o foco para fazer qualquer coisa relacionada ao trabalho. Decidi colocar uma música relaxante no fone e deixar os pensamentos correrem soltos. Se eu sentia que minha relação com Marina não teria futuro, porque eu continuava com aquilo? Era óbvio que nós dois nos gostávamos e gostávamos desse laço, mas se eu tinha chegado ao ponto de achar tudo aquilo sem sentido, porque não acabar? Seríamos tão bons como amigos quanto éramos como “ficantes”? Quando percebi, decidi que conversaria com ela no dia seguinte porque aquilo não fazia mais sentido para mim, que eu queria alguém com quem casar e ter filhos e… Tomei um susto quando um lado do fone foi tirado do meu ouvido.
— Dormiu? — Gustavo perguntou com uma voz rouca, eu fiz que não com a cabeça enquanto pausava a música e tirava o outro lado do fone. — Quando você chegou aqui? Porque não me acordou?
— Você parecia estar dormindo tão gostoso, não quis atrapalhar. — respondi.
— Aí você decidiu dormir junto, né? — fez graça, espreguiçando-se.
— Claro. Não perco uma oportunidade de dormir.
— Idiota. — ele deu um tapinha em minha nuca. — Que horas são?
Olhei no relógio e já eram 00h20, tomei um susto e respondi a hora a ele, que também ficou chocado.
— Ainda quer ter aula? — perguntou.
— Óbvio. Eu pago por elas, Gustavo.
— Ah, paga? Paga como? Eu nunca vi dinheiro nenhum caindo na minha conta!
— Pago com meus sorrisos, meu charme e minha presença. — falei sorrindo charmosamente e piscando para ele que começou a rir.
— Ah tá.
— Se não fossem essas aulas você nunca passaria tanto tempo com um cara tão gostoso quanto eu. - falei, guardando o notebook e deixando as outras coisas de lado.
— Você quer mesmo ter aula? — ignorou meu comentário me olhando de baixo com uma carinha de preguiça.
— Claro! — respondi, fingindo uma indignação, ele riu e se levantou, espreguiçando e suspirando.
— Ok. Então, eu preciso mesmo te ensinar a passar batom direito, você continua péssimo nisso.
— Você me ofende, Gus.
— Eu sei. — ele falou e abriu um sorriso brilhante, eu revirei os olhos.
Com os drinks preparados previamente, só precisamos colocá-los em copos e enfeitá-los. Fomos para a sala de ensaios, onde ele pegou uma das suas maletas enormes de maquiagem. Eu não gostava nem de pensar em quão caras deveriam ser aquelas coisas.
Ficamos conversando por um tempo, ele me explicou coisas gerais sobre maquiagem e batom e só depois a prática começou. Ele passou batom nele mesmo e, quando eu não consegui fazer nada direito, ele decidiu me ajudar. Pegou um dos batons vermelhos e começou a passar em meus lábios.
Enquanto ele fazia isso, todo sério e concentrado — o modo profissional ativado —, eu não conseguia desviar meus olhos de sua boca que estava num biquinho de concentração. Ele estava usando um batom escuro, eu não fazia a menor ideia de que cor era, mas ficava muito bonita em Gustavo.
— Porque você tá me olhando assim? — perguntou sem nem piscar e se desconcentrar do trabalho.
— Assim como?
— Não sei. — ele finalizou minha boca, se afastou e deu uma olhada geral em meu rosto, parecia satisfeito. — Assim… — apontou com o batom para meu rosto.
— Tô te olhando normal.
Ele deu de ombros e deixou o batom de lado. Depois deu mais uma ajeitada no batom com os dedos.
— Você tem lábios muito bonitos. — sussurrou enquanto seu dedo se demorava um pouco mais num canto do meu lábio inferior, depois pigarreou e voltou os olhos para cima, pegando-me pelo queixo e virando meu rosto na direção do espelho. — Viu? É assim que se faz e esse deve ser o resultado final.
Encarei meu reflexo com batom vermelho no espelho e me achei surpreendentemente bonito. Dava um toque especial e diferente que eu nunca tinha me permitido experimentar antes. Era uma sensação muito gostosa e diferente. Sorri e virei o copo de bebida.
— Puta merda, Caio! — Gustavo berrou, quase me matando do coração. Eu olhei para ele tentando entender o que tinha acontecido, mas não vi nada de errado, ele continuou me fritando com o olhar. — Você estragou a porra do batom! Vamos ter que fazer de novo.
Virei meu rosto pro espelho e, realmente, tinha borrado tudo. Ergui uma sobrancelha duvidando da qualidade dos produtos de beleza que ele usava.
— Como você usa uma maquiagem que borra toda quando se bebe no copo? - questionei.
Ele ignorou enquanto pegava um lenço umedecido e começava a passar raivosamente pela minha boca.
— Desculpa. — falei baixinho e ele suspirou.
— Tudo bem. Acontece.
Sem saber direito o porquê, coloquei minha mão em seu maxilar e deixei um carinho ali, na minha cabeça aquilo o acalmaria, mas ele parou meio tenso e me olhou. Eu não sei o motivo, mas fiquei meio constrangido, então tirei a mão.
Continuamos a aula até o momento que estávamos tão bêbados que não conseguíamos mais nos maquiar. Tudo estava borrado demais para continuarmos. Passavam das duas quando decidimos brincar de “eu nunca”. Claramente uma péssima ideia, porque já estávamos mais loucos que o batman.
— Eu nunca transei com uma garota. — Gustavo falou, encostado a parede oposta de onde eu estava. Sua maquiagem estava toda escorrida e mal tirada e eu continuava achando ele lindo. E meio desfocado também.
— Isso é roubo! — reclamei, mas bebi mesmo assim. — Minha vez. Eu nunca beijei um cara.
Ele riu e bebeu.
— Sério? Que desperdício.
— Daniel também acha. Ele diz que eu só sou hétero porque nenhum homem me pegou de jeito. — falei rindo.
— Faz sentido. - ele riu e eu fiz que sim com a cabeça. — OK, minha vez. Eu nunca mijei no muro de alguém.
Eu ergui uma sobrancelha me perguntando que tipo de confissão era aquela, ele deu de ombros. Eu bebi. Ele começou a rir sem parar.
— Você é péssimo, Caio. Não pensou nos moradores da casa?
— Não. Eu tava bêbado demais pra isso. — respondi dando de ombros e ele riu mais ainda. — Minha vez! Eu nunca... transei nessa sala.
Ele levantou as sobrancelhas sugestivamente e bebeu. Eu fiz uma cara de horror e comecei a reclamar. Ele riu tanto que caiu e derrubou um pouco de bebida no chão.
— Você é péssimo, Gustavo. — repliquei.
— A casa é minha! Eu posso transar até no teto se eu quiser! — reclamou colocando as mãos pra cima, sentando-se em seguida. - Ok, eu nunca… não sei mais. Pula minha vez.
— Não pode pular, Gus. — resmunguei.
— Claro que pode.
— Não pode não.
— Posso!
— Tá, foda-se. Eu nunca menti pra alguém que está nesse cômodo.
Ele sorriu e ficou me encarando por um tempo, depois bebeu.
— É sério? — perguntei indignado. — Você já mentiu pra mim? — ele deu de ombros e riu um pouco. — Como você pôde? — coloquei a mão em meu coração dramaticamente e ficamos nos olhando. Após algum tempo, eu bebi também e ele caiu na gargalhada.
— Eu sabia que você já tinha mentido pra mim! — ele exclamou apontando para mim e rindo, eu ri junto.
— Agora eu quero saber o que é. — falei, depois que conseguimos parar de rir.
— Negativo. A brincadeira é “eu nunca” não “confesse seus pecados”.
— Podemos mudar.
— As pessoas se confessam na igreja, Caio, não bêbadas no meio da minha sala de ensaio.
— Você nem vai à igreja.
— É verdade. Me pegou.
Eu revirei os olhos e ele riu. O silêncio pesou sobre a sala.
— Sabe quando eu disse que não lembrava o que aconteceu naquela noite que nos encontramos na boate? — começou, passando o dedo na boca da garrafa. Respondi que sim. — Eu menti. — ficou olhando o movimento de seu dedo na garrafa.
— Eu também. — respondi em um quase sorriso.
Ele me olhou. Eu não sabia dizer o que havia ali, meu coração falhou uma batida. Estávamos nos encarando, um tentando descobrir o que se passava na cabeça do outro.
— Eu sabia que era mentira! - ele quebrou o silêncio, me acusando com um sorriso fraco.
Gustavo levantou e sugeriu que colocássemos uma música para dançar, como se nada estivesse acontecendo e foi isso que fizemos. Tocava uma música animada e começamos a dançar como se estivéssemos numa boate. Uma boate de dois, como se o universo todo fosse apenas aquelas duas pessoas: Caio e Gustavo. Dançamos como loucos e eu continuava achando que ele era o melhor dançarino do mundo. Dançamos até nossos pés estarem cansados o suficiente para nos jogarmos no chão, rindo e cada vez mais bêbados.
De repente, uma música que eu gostava muito começou a tocar e eu, automaticamente, levantei para dançar. Gustavo fez o mesmo ao mesmo tempo. Nós dois começamos a rir enquanto dançávamos, percebendo que compartilhávamos o amor pela mesma música sem saber. Na parte mais dançante da música, nós começamos a nos encarar e nos aproximar. Quando percebi, eu estava com as mãos em seu quadril e ele com as mãos em meu pescoço, dançando juntos como se mais nada importasse. O contato visual não se quebrava e eu não pensava no resto do mundo.
— Porque você mentiu? — ele perguntou, próximo demais.
— Não sei. — respondi. — Talvez porque eu tenha gostado mais do que consigo admitir… — sussurrei. — Você?
— mesmo motivo.
E então estávamos nos beijando.
Exatamente tudo é construído a partir de nossas decisões. Cada escolha, cada preferência e cada caminho que tomamos nos fazem estar exatamente no lugar onde estamos. Tudo que nos acontece é consequência de nós mesmos.
Naquele momento, todas as minhas escolhas tinham me levado ao exato momento em que senti os lábios de Gustavo nos meus pela segunda vez na vida. Eu me sentia eletrizado. Se eu soubesse que beijar um homem poderia ser tão bom, eu teria feito muito tempo antes.
Seus dedos se enroscavam em meu cabelo, puxando-me e me mantendo perto. Os lábios ávidos contra os meus, eu estava arrepiado e querendo cada vez mais, segurava sua cintura com firmeza, mantendo o contato entre nossos corpos.
Quando conseguimos nos desgrudar, ele deixou uma risadinha escapar.
— Que diabos estamos fazendo? — sussurrou.
— Não sei, mas gosto muito. — ele riu mais um pouco e eu acompanhei.
Voltamos a nos beijar, desajeitados e afoitos, mãos escorregando, tocando, apertando, pele arrepiando. Fomos parar no chão. As coisas esquentavam rápido. Escorreguei minhas mãos para debaixo de sua camiseta, sentindo tudo de sua pele que eu podia, beijando sua boca. Gustavo era tão lindo que eu perdia a compostura.
Meus pensamentos estavam enevoados, o cheiro dele me embriagava mais do que todo o álcool que tínhamos consumido naquela noite e eu só conseguia pensar em como queria mais. Eu não tinha certeza de nada, mas eu tinha que tomar uma decisão. Quando Gustavo me olhou nos olhos depois que tirei sua camisa, minha decisão estava tomada.
Acordei numa cama que não era a minha. O lugar estava escuro então eu não fazia a menor ideia de que horas eram. Esperei meus olhos se acostumarem com a pouca claridade, então olhei ao redor e percebi que nunca tinha estado naquele quarto antes. Meu celular começou a tocar e eu o achei jogado no chão, era Marina. Preferi ignorar, eu não conseguiria falar com ela naquele momento. A porta se abriu e um Gustavo só de camiseta — tão elegante mesmo assim — apareceu ali.
— Bom dia? — ele perguntou quando me viu agachado na direção do celular. Eu me levantei e só então percebi que eu estava nu. Cobri minhas partes num instinto e ele riu. — Não tem nada aí que eu já não tenha visto. — falou, jogando-se na cama.
— Eu sei, é só que…
— Tô te zuando. — ele me interrompeu com um sorriso enorme. — Vem cá. — ele deu umas batidinhas na cama me chamando.
Deitei ao lado dele cama de barriga para cima, ele me olhava com a cabeça apoiada na mão. Deixou um beijo em minha testa e continuou me olhando.
— Quer conversar sobre isso? — perguntou.
Supirei.
— Conversar o que? — perguntei.
— Sobre o que aconteceu, Caio.
Eu não sabia como começar aquela conversa, ainda estava tentando entender e assimilar tudo que tinha acontecido entre nós dois. Coloquei o indicador em seu queixo, puxando-o para um beijo breve. Meu corpo todo parecia levemente elevado por um milhão de mini asinhas espalhadas por cada parte de mim.
— Podemos deixar essa conversa para depois? — perguntei olhando em seus olhos, acariciando todas as partes do seu rosto possíveis.
— Sim. — ele respondeu tamborilando os dedos em meu ombro. — Só queria te lembrar que a bissexualidade existe e que eu espero mesmo que você não tenha um relacionamento monogâmico.
Seus olhos estavam sérios sobre mim e fiquei um pouco nervoso com isso. Acenei positivamente com a cabeça e ele deixou um beijo na ponta do meu nariz antes de se levantar.
— Mas enquanto essa conversa não acontece, a gente pode curtir um pouco juntos. Fiz uma torta bafo pra gente. Vai tomar um banho que tô te esperando lá na cozinha. — saiu pela porta do quarto jogando um beijo para mim. Eu, bobo, peguei o beijo no ar e o coloquei perto do meu coração. Quase me senti numa paixão adolescente e dei risada disso.
Enquanto tomava banho, as cenas da noite anterior queimavam minhas bochechas quando apareciam atrás das minha pálpebras. Não dava mais para negar meus sentimentos, eu precisava admitir que gostava mesmo de Gustavo. Não só o achava interessante, bonito e elegante, eu o achava atraente, gostava dos seus dedos passeando pelo meu corpo, queria estar perto dele, conversar com ele, beijá-lo e decorar cada pedacinho que ele me mostrasse de si. Eu nunca pensei que me sentiria assim sobre um homem. No final, talvez Daniel tivesse razão e eu só precisava de um que me pegasse de jeito.
Saí do banho e fui para a cozinha, onde Gustavo me esperava preparava alguma coisa em cima da mesa. Senti um quentinho no coração. Eu não sabia o que aconteceria depois dali, se eu me identificaria como bissexual ou não, se eu ia continuar com Marina ou ia tentar alguma coisa com Gustavo, nem que caminho escolher. Porém, eu tinha experimentado muitas coisas novas e tinha descoberto muitos interesses que eu nem sabia que poderia gostar, explorei todos os cantos de mim mesmo e todas as formas de me ver. Por fim, eu estava feliz e realizado, nada mais importava.
👏👏👏
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