Quando Francisco se foi

    Quando Francisco se foi, tinha menos de trinta anos. Ainda tinha muito para viver. Sua vida foi tirada, mesmo que ele fosse tão cheio de vida e destemido a ponto da gente achar que era loucura. Não foi coragem que o matou.

    Em uma situação adversa, eu perdi meu companheiro, meu melhor amigo e meu futuro. Tudo que tínhamos construído (juntos e em nossa imaginação), encerrado em apenas um segundo. Como a vida é frágil, não? Não existe estabilidade, não existe certeza. Existe apenas a  certeza da morte. Morte essa que não tem sentimentos, não tem piedade, não tem olhos. Não tem preconceito. Não tem tempo. Chega para todo mundo e disso não há dúvidas.

    Eu que achei que estava seguro, depois de tantas quase-mortes na vida de Francisco, não achei que ele, de fato, poderia morrer. Eu achei que todas essas experiências fossem suficientes para evitar uma morte precoce. Acontece que nenhuma morte é precoce. As coisas acontecem quando tem que acontecer, a morte inclusa.

    Só que eu acho tão, tão injusto que sua vida tenha sido tirada assim, eu não consigo superar. Nada vai me fazer esquecer de tudo que passamos juntos e de tudo que ainda viveríamos. Nada vai acabar com o vazio que ele deixou dentro de mim, em todos os outros lugares que frequentávamos juntos. Passamos tão pouco tempo juntos, estávamos só começando e, mesmo assim, éramos tão um do outro e já tínhamos tantas lembranças.

    O que vai ficar são as coisas inacabadas: aquela pizza que ele deixou na geladeira para comer no dia seguinte, a caixa de bombom com morango que, na verdade, estava intacta, as roupas jogadas no canto de seu quarto (que ele estava há semanas enrolando pra colocar no cesto), o desenho que ele deixou para depois porque tinha outras tarefas. Tantas coisas que não consigo nem contar.

    As lembranças de coisas não vividas também estão por aqui. Aquele jantar que estávamos planejando pro fim do mês — para poder juntar dinheiro e gastar sem culpa —, aquele apartamento que estávamos planejando alugar daqui uns anos só para termos um tempinho a mais juntos, aquela viagem pra cidade vizinha que nunca vai acontecer porque a gente planejou por tempo demais — achávamos que nosso tempo era infinito —, aquele final de semana longe da internet que tínhamos prometido fazer, o churrasco em família do mês seguinte para apresentá-lo a minha família. Todas essas coisas não realizadas que são boas demais para esquecer.

    Acho injusto que nunca poderemos morar juntos naquele apartamento que já havíamos planejado cada detalhe antes mesmo de acha-lo ou os filhos que ele tinha planejado dos looks à personalidade até a profissão que iriam seguir — mesmo que eu não concordasse nem um pouco com o primeiro nome. Eu nunca vou poder saber o que seria me irritar com suas manias domésticas ou irritá-lo com as minhas, nunca vou saber o que seria dividir minhas coisas com ele, ter nossa casa, nossa cama, nosso banheiro. Nossas coisas.

    Eu nunca vou saber o gosto de ser pedido em casamento ou de planejar pedi-lo em casamento e ficar na expectativa para saber sua resposta ou sua reação. Eu vou chegar até a envelhecer, mas nunca saberei o que é envelhecer ao lado de Francisco.

    É doído demais. Não consigo pensar nessas coisas sem derramar ao menos uma lágrima. Essas coisas estão latejantes demais, recentes demais. Ainda é uma ferida aberta em meu peito que estou tentando curar.

    Um dia, espero que eu consiga me reerguer. Pensar em Francisco com olhos de nostalgia e não de dor e arrependimento. A marca que ele deixou em minha vida é brilhante demais e bonita demais, vou tentar me lembrar dele assim: bonito e brilhante.

    Espero conseguir seguir minha vida de forma saudável, conseguir amar novamente em algum ponto e carregar sempre uma 3x4 de Francisco em minha carteira para lembrar de quão especial ele foi, quão bonito ele conseguia ficar numa 3x4 e o quanto aprendi com ele mesmo com tão pouco tempo.

    Espero que Francisco esteja melhor onde estiver. Espero que eu fique melhor onde eu estiver também.

Comentários

  1. Há poesia na tristeza, não é mesmo? Olhar para o que nunca vai ser é uma das dores mais doloridas, e consegui sentir o luto em casa uma das palavras. Parabéns, tô triste.

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    1. O luto vem de várias formas e escrever, obviamente, é uma delas para mim. Eu fico muito feliz de saber que te toquei de alguma forma, mesmo que seja com a tristeza kkkkk

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